domingo, 18 de dezembro de 2022

Sobre o impubicável

 Eu quis morrer. Não estava infeliz, mas queria parar de sentir e, como parar de sentir quando tudo que você sabe é sentir? O verbo do canceriano é "eu sinto". Por isso mesmo eu sempre acreditei no que os signos diziam. Pela minha choradeira fácil, meus dramas, pela forma que eu sinto empatia por cada criatura que me cerca, eu me sentia muito canceriana.

Mas eu queria morrer. Eu não queria mais sentir, não queria mais doer, arder, queimar. Não queria mais a cegueira, a raiva, ira.. Não queria mais me ver impotente com tudo o que foi feito de mim. Um dia me foi dito que eu me vitimizava. Acredito nisso mas, como você sai de um poço onde te enfiaram e você se vê até o pescoço com tudo o que te afoga?

Eu não disse que estava à beira de me matar, eu ataquei com o último tiro que eu tinha. Na verdade não era o último, o último seria acabar com as minhas alternativas de trajeto. Eu não disse que não dormia, não trabalhava, que estava afuncional, que estava me sentindo usada e diminuída. Eu não disse nada do que estava me comendo por dentro. Eu não fiz nem dez por cento do drama que estou fazendo agora, nessas letras. Eu queria morrer, mas não tinha força nem mesmo para isso. Eu segui existindo pela falta de força pra me rebelar com a minha vida ou tirar a minha vida.

Não sei se o risco passou, realmente não sei. Sei que você não afunda por uma razão, são várias as dores que me furam, mas é incrível como uma pessoa pode foder com a sua cabeça e te jogar num precipício tão fundo. É uma sensação de ser exaurida emocionalmente, esvaziada. É estranho pensar nisso, porque essa mesma pessoa não conseguiria me esgotar fisicamente, nunca conseguiu. Acho que a sensação emocional seria semelhante a de não saber mais sentir paz; É isso: ele me tirava a capacidade de sentir paz.

Eu trabalhei como uma louca, eu tive tantas perdas absurdas, algumas vitórias que me tiraram da morte, que me ajudaram a ter fé em Deus, que me permitiram seguir lutando no meio da guerra.. Foi tanta coisa que parecia que eu nem estava viva. E eu segui lutando, até mesmo nem perceber que estava lutando. E foi a ruindade de uma pessoa abusiva que me fez caminhar pra desistir.

Será que eu me acostumei a ver pessoas morrerem?  Será que a sensação de dever cumprido ao ver que fiz tudo o que pude no cuidado e vê-las partindo me deram a ilusão de que isso é paz? Eu não sei, mas penso que, se tivesse seguido naquela linha, eu teria facilmente me jogado no precipício para ver tudo parar. Eu só queria parar de doer. 

Colocar limites, não falar, não ser procurada, não me aproximar, enfim.. Todas as barreiras que eu coloquei para não colocar fim a mim. Não fizeram parar de queimar, mas me permitem respirar, me cuidar, ter esperança que isso cure, com um pouco de sorte, um punhado de fé. É atordoante pensar que eu quis dar fim a mim para não sentir o que eu vinha sentindo e eu preciso entender de onde vem tudo isso. Esse texto é menos para cuspir e mais pra engolir a saliva, para digerir, para eliminar de mim as coisas que eu sinto e não entendo de onde vêm.