sexta-feira, 21 de maio de 2010

De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco
(...)
Mas de tudo fica um pouco.
(...)
De teu áspero silêncio um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.
Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.
Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim?

De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,

meio sal e meio álcool,
salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil...

> Carlos Drummond de Andrade <

Foto: Penélope Cruz

1 comentários:

Flor disse...

ai, que lindo!
me doeu o coração agora!
"De teu áspero silêncio um pouco ficou
[...]
Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim?